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Marília Mendonça, o “blábláblá” e a COP26

11 de novembro de 2021

Por Roberto Monteiro*

Após um dia bastante intenso, com quase duas horas de deslocamento entre Glasgow e o hotel em Edimburgo, um jantar nada nutritivo, com nachos, refrigerante e afins, estava terminando uma reunião com o a equipe de comunicação sobre nossa participação na COP26 quando ouço:

– Legal, mas como já comentamos aqui com o pessoal no Brasil, não vamos fazer qualquer publicação hoje.

– Por quê?

– Pelo que aconteceu com a Marília Mendonça.

– O que aconteceu?

– Você não sabe?

Entrei em choque. Uma sensação de que tudo parou no meio daqueles dias muito intensos. Todo aquele mar de informação, toda aquela discussão, acabaram ficando em suspenso. Terminei a reunião balbuciando algumas palavras e fui para o quarto. Minha cabeça voltou para um diálogo de alguns anos atrás.

– Achou uma cantora regional para a celebração?

– Sim, tem a Marília Mendonça, que é de Goiás.

– O pessoal gosta dela?

– Ela é o principal nome do sertanejo hoje.

– Nossa, que legal! Não conheço, mas vamos seguir. Qual o valor?

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– O quê!? Tá maluco!? Como assim!?

– Pois é, eu disse que ela é famosa.

– Ok, vamos procurar alternativas.

Desde os LPs que tinham o título Sertanejo 86, Sertanejo 88, passando por fitas cassete do Leandro e Leonardo, e o inesquecível primeiro LP do Zezé di Carmargo e Luciano, sou fã desse gênero musical. Uma admiração bastante pessoal, pois nunca convivi em círculos onde o sertanejo era bem visto (pelo menos publicamente).

Vieram os rodeios, o sertanejo universitário e, finalmente, a sofrência. Mas quando o sertanejo passou a ser moda, eu não era mais universitário, fugia de shows com multidões, e não me identificava com a sofrência. Parei no Bruno e Marrone e ouvi alguma coisa do Jorge e Matheus. Ou seja, quando tive contato com a Marília, minhas referências nesse gênero musical já eram jurássicas.

Mas ela me despertou algo que me remeteu à minha infância. Quando ouvia Fio de cabelo, Evidências ou É o amor, não me identificava diretamente com as situações retratadas pelas canções, mas a emoção da letra, o contato com meus sentimentos, a humanidade daquela situação gerava em mim uma conexão suficiente para ouvir por horas aquelas músicas.

A Marília foi o mesmo caso. Por mais que as situações das letras estejam longe da minha realidade, a maneira humana, a emoção, a verdade daquelas músicas, tonaram a Marília uma parceria inseparável em boa parte do trajeto Campinas/São Paulo, que faço diariamente. Junto com a CBN, Marília era minha amiga do dia-a-dia. Na verdade, ultimamente, “as patroas” me acompanhavam.

Quando vieram as lives da empresa na pandemia, eu sempre me apresentava fazendo referência que não era a live da Marília Mendonça, mas prometia que seria muito divertido, um sucesso de audiência. Ajudava naqueles tempos complicados, em que a comunicação interna precisou se reinventar e manter o astral de todos que estavam em isolados em casa.

Essas foram as principais razões do meu choque ao receber aquela notícia. Lembrei-me da Greta Thunberg, que chamou tudo aquilo que acontecia na COP de “blábláblá”. Eu discordo parcialmente da Greta, mas dizia para as pessoas que preferia estar no protesto do que dentro da conferência. Por quê? Porque aquilo parecia de verdade, enxergava seres humanos ali.

Participar presencialmente da COP26 me fez enxergar a humanidade e a verdade das pessoas, como nas letras da Marília.

Ainda que reconheça grandes avanços nas metas que estão sendo assumidas pelos governos, com senso de emergência na busca de soluções de um problema compartilhado por todos, em grande parte das pessoas e das lideranças presentes na COP26 senti algo artificial e robótico. Mais do que a falta de um plano, a sensação de “blábláblá” tem a origem na falta de emoção na forma como as pessoas se relacionam e se comunicam.

Nesse sentido, o pessoal do protesto consegue atrair e motivar muito mais. Quem dera as pessoas com boas propostas pudessem transmitir a mesma emoção e causar o mesmo engajamento. Marília, com seus milhões de seguidores nas mídias sociais, era mestra em nos fazer sentir mais humanos. Uma menina que se transformou numa mulher, e deu voz para tantas outras nas suas letras. Em época de discussão de igualdade de gênero, ela foi genial, da mesma forma como Greta também é.

Tudo isso me fez refletir sobre uma fala do Dalai Lama. Disse ele que toda vez que se reúnem grandes líderes mundiais, ele deseja que algo dê errado no encontro. Um café que caia numa camisa, um microfone que falhe, enfim, algo simples e inesperado que quebre o protocolo. Assim, segundo ele, o ser humano aparece por trás da figura de autoridade, e consegue se conectar e ter uma conversa efetiva.

A COP26 até agora não conseguiu se mostrar além dos protocolos. É preciso humanizar a relação e a comunicação das autoridades ali presentes, e assim fazer desaparecer a sensação de “blábláblá”.

Como já disse Fernando Pessoa, estamos fartos de semideuses e de perguntar onde é que há gente no mundo. É essa gente que pode nos tirar da rota climática em que estamos. Nesse sentido, faltou a Marília na COP26. E agora, para além da COP26, ela fará falta na minha vida e na vida de milhões de brasileiros. Nas palavras dela, ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer.

 

*Roberto Monteiro é diretor de Comunicação da SPIC Brasil. Acumula quase 20 anos de experiência em comunicação corporativa, planejamento estratégico e desenvolvimento de negócios, com passagens em grandes empresas do setor de energia, papel e celulose e de consultoria. É mestrando em Administração de Empresas na EAESP-FGV, possui MBA pela Fundação Instituto de Administração (FIA) e pós-graduação em Tópicos Avançados em Decisões Financeiras e Políticas Corporativas pela Universidade de La Verne (EUA).

 

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