*por Erika Breyer
Além de terem um preço competitivo, a entrada das UHEs nos leilões serviria como incentivo para os geradores investirem em projetos de ampliação da capacidade instalada, melhorando a utilização da infraestrutura existente
Desde o cancelamento do leilão de reserva de capacidade (LRC) previsto para ocorrer em novembro de 2022, o mercado está na expectativa de alguma definição do Ministério de Minas e Energia (MME) sobre as novas diretrizes para esse tipo de leilão, principalmente no que se refere às fontes que poderão participar.
Uma das justificativas apresentadas pelo MME na época do cancelamento foi a continuação de estudos que estariam avaliando a viabilização da participação de empreendimentos, além das termelétricas, para termos um certame, de fato, pautado na neutralidade tecnológica.
Diversos agentes do setor responsáveis pela operação de usinas hidrelétricas (UHEs), dentre eles a SPIC Brasil, têm defendido a participação do produto hidrelétrico em leilões de reserva de capacidade.
Além do preço competitivo, a possibilidade serviria como incentivo para os geradores investirem em projetos de repotenciação e ampliação da capacidade instalada de UHEs existentes, especialmente aquelas que possuem infraestrutura disponível para adição de novas máquinas.
Uma sinalização célere sobre essa possibilidade seria interessante para que não se perca a oportunidade de realização desses investimentos. Isso porque, em decorrência da idade avançada de operação do parque gerador hidrelétrico brasileiro, alguns concessionários que têm a possibilidade de ampliar a capacidade instalada das UHEs sob sua responsabilidade já iniciaram ou devem, em breve, iniciar os projetos de modernização dessas usinas.
Este seria o momento ideal para que as decisões de investimento sejam tomadas em eventual ampliação de capacidade. No entanto, sem essa sinalização firme, tais investimentos poderão não ser realizados.
O estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), publicado no final de 2019, indica um potencial de acréscimo de até 10.740 MW com a repotenciação do parque de UHEs em operação no Sistema Interligado Nacional (SIN). O mesmo estudo identifica um potencial de acréscimo de 7.240 MW em usinas com poços existentes, situação na qual se enquadra a UHE São Simão (GO).
Além da competitividade da fonte hidrelétrica, a modernização e a repotenciação desses empreendimentos apresentam uma série de benefícios sociais, ambientais e para a operação do sistema elétrico, incluindo:
- Melhor utilização da infraestrutura existente disponível, ao invés de abertura de novas áreas para construção de projetos greenfield;
- Melhor disponibilidade da infraestrutura hídrica para planejamento e uso pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS);
- Melhor desempenho da planta, incluindo custos de manutenção mais baixos e tempos de inatividade mais curtos/menos frequentes;
- Fornecimento de maior confiabilidade para a operação do sistema elétrico brasileiro, considerando sua expansão com o aumento da participação de fontes renováveis intermitentes na matriz elétrica brasileira;
- Redução de impactos ambientais por meio do uso de novas tecnologias que podem melhorar a operação das usinas hidrelétricas;
- Mais flexibilidade para o sistema;
Um dos argumentos levantados pelo MME para retirar o produto hidrelétrico do primeiro leilão de reserva de capacidade realizado em 2021 foi a complexidade do tratamento que seria dado à garantia física (GF) e aos ajustes em contratos de concessão vigentes, principalmente para usinas no regime de cotas.
No entanto, não vemos limitação regulatória ou legal para a participação de hidrelétricas. No caso de usinas cotistas, uma das sugestões apresentadas ao MME seria a realização de cálculo proporcional da potência associada ao ganho de garantia física decorrente da repotenciação ou ampliação.
A parcela de potência atrelada ao percentual de 30% do ganho de GF estaria livre para ser negociada no leilão, pois originalmente os 30% de GF já se encontram ao livre dispor do gerador. Essa proposta pode ser amplamente discutida e aprimorada em consultas públicas sobre os próximos leilões.
O importante é não restringirmos na origem a participação de fontes nos LRC. Quanto mais ampla for a gama de empreendimentos no certame, maior a competitividade e, consequentemente, menor o valor dos encargos que chegam para o consumidor.
*Erika Breyer é gerente de Regulação da SPIC Brasil. Ela é advogada com Master in Susteinable Developmet – Renewable Energy pela University College London, tem passagens profissionais pela EPE, Ibama e Chesf.
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