Presidente em exercício falou durante a Conferência Anual do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), que contou com a participação de um dos principais economistas chineses da atualidade
O Brasil comemora 50 anos de relações bilaterais com a China. Até aqui, foram cinco décadas produtivas de aproximação, que transformaram o país asiático no principal parceiro comercial brasileiro.
Em 2023, a corrente de comércio bilateral foi de US$ 157,5 bilhões. Mas o Brasil vende para a China principalmente commodities, enquanto importa bens de alto valor agregado. Por isso, a expectativa do lado brasileiro, para os próximos anos, é de diversificação da pauta de exportações e de reindustrialização do país com ajuda do capital chinês.
Esses foram alguns dos principais pontos discutidos na edição de 2024 da Conferência Anual do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), realizada em São Paulo. O evento contou com a participação (online) do Presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, e de um dos principais economistas chineses da atualidade, David Daokui Li, além de líderes empresariais e autoridades de ambos os lados.
Neoindustrialização com diversificação de exportações
“Queremos neo-industrializar o Brasil, adensar as cadeias produtivas”, afirmou Alckmin. Segundo ele, o governo atual está empenhado em avançar ainda mais em comércio e investimentos recíprocos com a China, e citou como oportunidades os projetos do Novo PAC em áreas de infraestrutura, como ferrovias, rodovias, portos e energia.
Alckmin falou também do programa Nova Indústria Brasil (NIB) e dos ganhos que a Reforma Tributária deverá trazer para a economia brasileira.
“Vai impulsionar a indústria e trazer investimentos a mais em exportação. Há um estudo do Ipea que mostra que só com ela podemos ter aumento de 12% do PIB, de 14% em investimentos e de 17% nas exportações”, disse.
Brasil: destino de investimentos
Na avaliação de Li, o economista chinês, a expectativa tem razão de ser. Uma das vozes mais respeitadas internacionalmente quando o assunto é a economia chinesa, ele descreveu as dificuldades enfrentadas atualmente pela China no campo econômico. Mas se mostrou confiante na retomada do crescimento, puxado por um aumento do consumo doméstico, que pode ser benéfico para o Brasil. “A economia chinesa passa por um inverno”, afirmou. “Mas o governo está muito ciente do problema e lançou uma série de reformas”, afirmou.
A solução, no curto prazo, passa por uma reforma fiscal que devolva a capacidade de investimento às providências chinesas, a partir da emissão de títulos de dívida pelo governo central, cujo endividamento corresponde a apenas 26% do PIB, segundo ele. No médio e no longo prazo, é necessário aumentar a capacidade de inovação do país, para enfrentar restrições tecnológicas impostas por competidores como os Estados Unidos, e conceder incentivos para a população consumir mais e viver melhor. “O aumento do consumo chinês vai demandar mais produtos importados”, afirmou, o que abre oportunidades para o Brasil.
Segundo Li, muitos empresários e dirigentes de estatais chinesas têm avaliado oportunidades de investir em fábricas em outros países. É uma forma de buscar condições mais favoráveis de produção e de fugir da forte concorrência interna no mercado chinês. “O Brasil certamente será um grande destino de investimentos nesse processo”, diz Li.
Qualidade e sustentabilidade
Na avaliação do Embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, o desenvolvimento conjunto sempre foi uma característica inerente das relações bilaterais. Os resultados positivos do relacionamento com a China se devem ao fato de que, “ao longo dos últimos 50 anos, os dois países entenderam o desenvolvimento conjunto como objetivo primordial e enxergaram o progresso do outro como oportunidade para si próprios”.
Atualmente, ele identifica oportunidades em áreas como economia verde, economia digital, inteligência artificial (IA), indústria aeroespacial e saúde. “Vamos tornar a alta qualidade e a sustentabilidade as palavras que definem a cooperação sino-brasileira desta nova era”, disse Qingqiao.
Para o Embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, Presidente do CEBC, não há dúvidas de que a percepção dominante é a de que o meio século de cooperação entre os dois países deixou um saldo amplamente positivo. “Mesmo tendo como pano de fundo a instabilidade nas relações internacionais, no mundo em transição acelerada em que vivemos desde o fim da Guerra Fria”, afirmou.
No ano passado, por exemplo, as exportações brasileiras para a China superaram os US$ 100 bilhões. Os investimentos chineses no Brasil, nos últimos 17 anos, alcançaram mais de US$ 70 bilhões, em cerca de 250 projetos. Neste ano, até julho, as exportações brasileiras já estavam 7,4% acima das registradas no mesmo período de 2023, caminhando para um novo recorde.
A questão é, a partir de agora, desenvolver uma relação que continue a ser benéfica para os dois países nos próximos anos, avaliou o Secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, Embaixador Eduardo Saboia. “Precisamos promover a exportação de produtos e serviços brasileiros de maior valor agregado, por meio de ações que explorem as complementaridades existentes e expandam as relações comerciais para áreas ainda mais diversas”, afirmou.
Visão empresarial
O setor privado é otimista em relação ao futuro da parceria entre os dois países. Representantes de grandes empresas dos dois países presentes no evento debateram as oportunidades e os desafios das relações bilaterais em dois painéis.
“Quando o poder público e a indústria olham na mesma direção, não há como parar o desenvolvimento do Brasil. Hoje temos produtos de qualidade, capacidade de inovação e a disposição de estabelecer parcerias para induzir a transformação da indústria”, afirmou Gustavo Niskier, Diretor de Assuntos Internacionais da Vale, que citou como exemplo de produto inovador o briquete de minério de ferro, desenvolvido pela empresa no Brasil. Segundo ele, a China é não apenas o principal mercado da companhia, absorvendo 60% dos embarques, mas também um parceiro estratégico em tecnologias para a descarbonização da produção.
O mesmo acontece com a JBS. “Importamos mais de US$ 1 bi por ano. É um trabalho focado em sustentabilidade, com painéis fotovoltaicos. Temos também pauta de veículos elétricos, com entrega no curto prazo. Essa troca mútua faz com que a relação melhore cada vez mais”, diz Daniel Ávila, Diretor-Executivo da Seara, representante da companhia no evento.
Participante do painel A China e a Nova Indústria Brasil, Pedro Guerra, Chefe de Gabinete da Presidência da República e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), lembrou que em todos os seis eixos de desenvolvimento da NIB, pensados como política de longo prazo, há grandes empresas chinesas envolvidas. Na área da saúde, por exemplo, há parcerias com a Sinovac. Em infraestrutura, uma série de grandes empresas chinesas estão entrando em leilões no setor de transportes, e há diferentes projetos piloto em descarbonização.
“Olhando para o futuro, nos dá satisfação ver que os governos brasileiro e chinês consideram o setor aeronáutico estratégico para a relação. E isso tem se traduzindo em uma cooperação mais prática entre os reguladores no Brasil e na China”, disse Verônica Prates, Diretora de Relações Institucionais da Embraer. “Como empresa, podemos contribuir principalmente com o desenvolvimento da aviação regional na China”.
Na visão de Floriano Pesaro, Diretor de Gestão Corporativa da Apex, há muito espaço para que as empresas brasileiras cresçam no país asiático. “O Brasil tem apenas 5% de participação no mercado chinês. Somos o sétimo maior fornecedor global da China, enquanto a China ocupa a primeira posição no Brasil. Mas esse é um desafio nosso”, afirma.
Exportação de energia sustentável
No painel Energia e Inovação na Relação Sino-Brasileira, Adriana Waltrick, CEO da SPIC Brasil, citou as oportunidades abertas pela transição energética. “A partir da história destes 50 anos de relação sino-brasileira, buscamos pensar e planejar a transição energética sustentável com energia verde, abundante e competitiva que os dois países necessitam. A transição energética não é apenas um desafio do Brasil e da China, mas também da humanidade. Podemos ser muito mais rápidos e eficientes na transição energética aproveitando os recursos de ambos os países se apostarmos em inovação, como o hidrogênio verde”, afirmou a executiva da empresa chinesa, que é uma das principais geradoras de energia no mundo.
Huang Yehua, Presidente da CNOOC Brasil, disse que a companhia, uma das maiores petrolíferas da China, está entrando em energias renováveis, como hidrogênio e eólica offshore, e tem planos de trazer projetos do tipo para o Brasil. Mas ainda deve levar um tempo. Por hora, pretende desenvolver tecnologias mais sustentáveis para a exploração de petróleo em conjunto com empresas brasileiras e promover o adensamento da cadeia produtiva, com a atração de outros fornecedores chineses para o mercado brasileiro, disse.
Para que a relação comercial entre Brasil e China possa ser desenvolvida em todo o seu potencial, principalmente em novas fronteiras tecnológicas, é preciso que o governo seja ágil em regulamentar a adoção de novas tecnologias. Rogério Zampronha, CEO da Prumo Logística, controladora do Porto do Açu, observou que o Brasil tem um enorme potencial no setor de energia renováveis, mas ainda carece de regulação.
“As coisas estão caminhando, mas ainda não temos o marco do hidrogênio aprovado no Congresso e ainda precisamos caminhar com o marco das eólicas offshore. Posso assegurar que a China tem interesse e capital para aportar”, afirmou o executivo. Segundo ele, o Porto do Açu concentra hoje os principais projetos de transição energética que estão acontecendo no país e tem se posicionado como “um pedaço da China no Brasil”, para poder aproveitar todas essas oportunidades quando elas surgirem.
Jorge Arbache, economista, Professor da UnB e Membro do Comitê Consultivo do CEBC, explicou que a emergência de novas estratégias empresariais, como o powershoring, favorecem a posição do Brasil na relação com a China. Segundo ele, o powershoring é a busca não apenas de energia a preços atrativos, mas também da energia verde e, em alguma medida, protegida de questões geopolíticas. “É uma estratégia em que a energia se torna o epicentro da localização industrial”, disse, da mesma forma que a mão de obra barata levou muitas empresas a migrarem plantas industriais dos Estados Unidos para a China em décadas passadas.
“Países como o Brasil estão muito bem posicionados para trabalhar com empresas locais e globais que precisam descarbonizar a produção, garantir acesso à energia e atender a condições de compliance em nível global”, afirmou Arbache. “O Brasil já tem um excedente de energia renovável importante, que pode atrair o interesse de empresas chinesas que precisam, a curto prazo, buscar soluções para a sua descarbonização”
A Conferência anual do CEBC contou com patrocínio Ouro da CNOOC, SPIC Brasil e Vale, patrocínio Prata da Embraer, JBS e Porto do Açu e apoio institucional do Ministério das Relações Exteriores.
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